De fato, a lesão medular (LM) é descrita como uma das maiores calamidades às quais estão sujeitos os seres humanos. Tomar conhecimento da paralisia, das disfunções vesical e intestinal, da dependência de terceiros, do alto risco de complicações (escaras, complicações urinárias etc.) leva a maioria dos lesados medulares a enxergar um horizonte com nada além de baixa qualidade de vida. (Dijkers 2005)
As perspectivas são tão sombrias que alguns chegam, de maneira racionalmente calculada, ao suicídio. (Maynard & Muth, 1987) Já outros chegam a cometer tal ato movidos por um episódio de depressão e desespero, não incomum entre portadores de LM. (Kewman & Tate, 1998)
Desse modo, tais motivações fazem com que a taxa de suicídio entre estes indivíduos seja cinco vezes maior que a da população geral. (Dijkers et al, 1995)
Dentre os fatores que mais comprometem a qualidade de vida das pessoas com LM estão:
- a disfunção de órgãos como bexiga e reto;
- atrofia das pernas;
- infecções urinárias de repetição;
- insuficiência renal;
- escaras de decúbito (úlceras na pele formadas pela imobilização prolongada);
- hipotensão (pressão arterial inferior ao normal).
Além do impacto negativo na qualidade de vida, estas disfunções levam a problemas ainda mais graves, como a insuficiência renal e a sepse. Juntas, são responsáveis por 14% das mortes nestes pacientes.
Todos estes problemas são ainda agravados pelo grande incômodo causado pela dependência para urinar, evacuar e também para a higiene diária.
Segundo estudo concluído em 2004 na Universidade da Califórnia, os fatores mais importantes para a melhora da qualidade de vida, apontados por tetraplégicos e paraplégicos, são a recuperação das funções vesical e intestinal, e, consequentemente, da independência para urinar ou evacuar, superando inclusive a vontade de ficar em pé ou andar e a melhora da função sexual.
Outro problema, presente em 80% dos portadores de LM, é a espasticidade, uma contração muscular involuntária em grupos musculares localizados abaixo do nível da lesão. A espasticidade apresenta consequências benéficas e prejudiciais.
Entre as benéficas estão a possibilidade de sentar e até mesmo ficar em pé, permitindo relativo grau de independência para a realização de algumas atividades do cotidiano, como se vestir e até mesmo andar.
No entanto, há o impacto negativo da espasticidade. Dor, risco de queda e cansaço são alguns deles. Os espasmos também prejudicam o sono e causam transtornos na mobilidade, na realização de transferências do paciente e na atividade dos cuidadores.
A contração muscular prolongada pode também causar deformidades articulares e reduzir a amplitude de movimento.
Para minimizar os problemas, podem ser indicados fisioterapia, tratamento medicamentoso, aplicação de toxina botulínica, entre outras terapias.
No caso da fisioterapia, o objetivo é prevenir as alterações no funcionamento do organismo decorrentes da espasticidade e reduzir o risco de complicações. São realizados exercícios para alongamento, ganho de massa muscular e fortalecimento dos músculos envolvidos nos espasmos.
Os demais tratamentos, além dos muitos efeitos colaterais, bloqueiam a espasticidade e seus efeitos indesejados e, juntamente com os desejados.
Portanto, o tratamento ideal da espasticidade seria um que bloqueasse somente os efeitos indesejados da espasticidade.
A manutenção do controle urinário depende do nível e da extensão da LM. Prováveis disfunções acarretam aumento da pressão e refluxo do conteúdo da bexiga para os ureteres, causando a lesão dos rins. Para evitar, medicamentos, cateterismo intermitente (sondagem da bexiga) e cirurgia podem ser necessários. As alterações intestinais incluem a retenção fecal e a incontinência anal.
O maior objetivo das pesquisas sempre foi encontrar algum tratamento que abordasse, de forma efetiva e com poucos efeitos colaterais, todos estes problemas acima. E, “dentre tudo o o que já foi tentado até hoje, o tratamento que parece estar mais perto de atingir este objetivo é a neuromodulação”, diz o Dr. Acary Bulle de Oliveira, chefe do Setor de Investigação de Doenças Neuromusculares da UNIFESP.
Idealizada por Brindley, em 1977, a neuroestimulação de raízes sacrais por meio do implante de neuropróteses apresentou resultados favoráveis e vem sendo difundido em todo o mundo. Implantado em mais de 2.500 pessoas nos últimos 20 anos, permitiu à maioria dos pacientes a retomada do controle urinário, abandono do uso de cateteres e drástica redução na incidência de infecções urinárias. Muitos pacientes também relataram ereção e evacuação geradas pelo neuroestimulador.
De lá para cá, os neuroestimuladores vêm sendo aperfeiçoados, superando as dificuldades encontradas no início da técnica.
Desde 2000, o cirurgião francês Marc Possover desenvolveu as técnicas mais modernas conhecidas atualmente, permitindo o implante por meio de laparoscopia, bem menos invasivo que o idealizado por Brindley. Entre as vantagens da nova técnica, estão a menor agressividade cirúrgica e a possibilidade de tratamento da espasticidade sem a necessidade de seccionar as raízes nervosas.
Os resultados observados em pacientes operados com esta técnica foram melhora do controle da função urinária e da incontinência de fezes, ganho de massa muscular nos membros inferiores e a possibilidade de ficar de pé e até mesmo andar, com o auxílio de andador.